Estudo Colaborativo : TEMA Injustiça Ambiental
Estudo 01 - Áreas de pressão ambiental no distrito - Aterros Clandestinos e Oficiais na pré-Serra da Cantareira
TEMA: Este tema foi sugerido por moradores de áreas próximas ao Aterro Industrial Itaberaba - Essencis, e que estão preocupados com o volume atual de resíduos depositados no aterro.
ESTUDOS REALIZADOS ATÉ O MOMENTO: Observação participante, grupos focais, levantamentos fotográficos, gravações, entrevistas com moradores, pesquisadores externos e com técnicos do aterro.
GRUPO DE PESQUISADORES: Cecilia Machado FAUUSP, Mariana Rocha UNIABC, João Carlos UNIABC, Sérgio Santos –Projeto SACI, Sandra Regina – Pastoral Carcerária, Cícera Salles – Conselheira de Saúde, Renan Francisco, Letícia e Rafael – Associação Cantareira.
O uso histórico da região como descarte de resíduos “enquanto a cidade cresce”
No processo de expansão urbana sobre a Serra da Cantareira, estão presentes diversas situações de injustiça ambiental. Neste estudo será apresentado uma situação complexa e que envolve diversos interesses públicos e privados, os aterros cladestinos e oficiais na Serra. Essa situação já foi apresentada na pesquisa de mestrado, mas como uma situação de confronto que se dava com a apropriação de antigas chácaras, localizadas na área de transição ou pré-Serra da Cantareira, por donos de aterros clandestinos de lixo e entulho. Somente no distrito de Brasilândia, na região da pré-Serra eram lançados diariamente resíduos de 300 caminhões por dia. Um confronto com a ordem institucional, com o cotidiano dos moradores e com a conservação da vegetação.
Na época os estudos apontaram que esta situação era fomentada pelo poder paralelo e combatida pelo poder público. Inclusive foram apresentados relatos de fiscais da subprefeitura da Freguesia do Ó, sobre a tentativa da prefeitura em conter a atividade dos aterros clandestinos, em parceria com a Guarda Civil Metropolitana, a Polícia Militar e uma equipe de fiscalização da Secretaria do Meio Ambiente.
“O objetivo, segundo a subprefeitura, foi o de paralisar imediatamente as atividades no local, inclusive, colocando barreiras de concreto para impedir o acesso de caminhões de entulho e lixo. Entretanto, mesmo com toda essa ação conjunta, não foi possível a identificação dos responsáveis pela atividade irregular, o que impediu somente de maneira temporária essas ações sobre a Serra.” (Jornal Cantareira apud ANGILELI, 2007:158)
Pode-se dizer que os aterros clandestinos de entulho mantêm seu funcionamento, porém, pode ser percebido uma redução o número de caminhões na pré-Serra. É preciso dizer que já são mais de 20 anos de luta contra essa realidade no distrito. Essa luta envolve ameaças e perseguição, o que dificulta a articulação da comunidade para pôr fim a essa situação.
Ao mesmo tempo existe um descrédito da população, uma “desesperança” já que o poder público que antes aplicava multa aos donos de aterros clandestinos, passou também a usar alguns espaços da região como descarte de entulho. As primeiras ações do poder público foram no piscinão do Córrego Bananal. A obra implantada em 1999, e que restringiu-se à construção de uma barreira, para conter os resíduos ao chegar no córrego Itaguaçu, usando a área de inundação natural do córrego localizada no sítio Bananal, para conter as cheias. Além da falta de manutenção, foram fotografados também caminhões da prefeitura despejando lixo e entulho no piscinão.
Atualmente, a área que leva preocupação à população é uma aterro particular de resíduos inertes chamado Aterro Itaberaba, implantado junto à Av. Deputado Cantídio Sampaio, uma das principais avenidas do distrito de Brasilândia.
Os impactos deste uso na região foi motivo de mobilização da população local diversas vezes. Isto porque o grande número de caminhões na avenida que dá acesso ao aterro cresceu muito nos últimos anos. A maior parte dos caminhões são de resíduos inertes da construção civil.
Como vimos anteriormente, não é a primeira vez que paisagem do distrito é modificada por este tipo de uso, a diferença agora é que os aterros não são mais clandestinos. Este uso do solo agora é oficial e monitorado pela CETESB. Chamo a atenção para esta transição de clandestino para oficial, porque esta paisagem que comporta um grande conflito entre a autoconstrução e áreas de preservação é “valorizada” como um lugar de descarte, de lixo, de entulho de construção, de resíduos hospitalares, de restos da cidade.
O aterro foi implantado em uma antiga cava resultante da extração de mineral da Pedreira Itaberaba. Esta exploração foi realizada no período de 1940 até 1985. Com a expansão urbana, ficou incompatível esse uso na região. Com a paralização das atividades, surgiram novos inconvenientes de ordem ambiental, como o acúmulo de água de chuva na cava associado ao despejo clandestino de lixo.
De acordo com o EIA (1991) apresentado ao CONSEMA para implantação do aterro, o mesmo seria uma “alternativa aceitável , uma vez que a instalação do empreendimento irá resultar em benefícios para a região. (...) quando será iniciada a recuperação da qualidade das águas da região, através da retirada dos resíduos armazenados atualmente no local, bem como pela própria eliminação de focos de criadouros de vetores transmissores de doenças.”
O estudo de impacto ambiental, ainda conclui que o maior impacto já foi causado pela pedreira que funcionou por mais de 40 anos na região, e que a implantação do aterro mesmo em área urbana iria conduzir a recuperação desta área através de uma mudança significativa na paisagem, com o fechamento da cava. E mesmo o estudo apontando para a possível geração de poeira, gases e odores em uma área densamente ocupada, o aterro foi implantado.
Hoje, o Aterro Industrial Itaberaba é administrado pela empresa Essencis Soluções Ambientais, de acordo com o site da empresa, este aterro tem como principal atividade o destino final de resíduos industriais inorgânicos classe IIA e classe IIB, e está em operação desde julho de 1991.
“IIA -Destina-se à disposição de resíduos industriais não-perigosos e não-inertes, e também para a disposição de resíduos domiciliares.
IIB-Destina-se à disposição de resíduos não-perigosos, inertes, ou seja, que não sofrem alterações com a ação do tempo e do meio. Um exemplo de resíduo que se encaixa neste grupo é o entulho de construção civil.” (http://www.essencis.com.br – acessado em 2010)
O Aterro tem uma área total de 220 mil m2, e segundo a empresa responsável, o empreendimento oferece total segurança ambiental, contando com rigoroso controle ambiental com monitoramento contínuo das águas subterrâneas. A preocupação atual de alguns moradores é o grande volume de resíduos em meio à casas autoconstruídas, já que a mudança na paisagem foi muito rápida, como pode ser visto nas imagens à seguir.
De acordo com Giovanno (técnico da empresa), entrevistado dia 20 de agosto de 2010, o aterro Itaberaba por receber resíduos inertes não necessita de compactação e não tem risco de movimentação como um aterro de lixo orgânico, não gera chorume próprio. Segundo ainda o técnico, o aterro seria desativado em 2008 e a prefeitura solicitou a prorrogação de seu funcionamento por mais 2 anos, porém, após vencer mais um contrato a prefeitura solicitou novamente a prorrogação da licença de uso devido a falta de aterros deste tipo no município. Agora o empreendimento que teria seu funcionamento encerrado em 2010, tem um processo em análise na CETESB _ Santana para funcionamento por mais 5 anos, com a ampliação da área de uso.
Solicitamos a empresa uma visita monitorada ao aterro, e após dois meses conseguimos entrar no aterro e conversar com o engenheiro responsável Cleiber Marques de Oliveira. Estavam na visita, moradores, pesquisadores e uma professora convidada do projeto Profa. Dra. Mariana de Melo Rocha especialista em aterros, para nos auxiliar na pesquisa de campo.
De acordo com o engenheiro, chegam ao aterro diariamente de 300 à 350 caminhões por dia, com a prorrogação do contrato serão cerca de 450 caminhões/dia, e mais de 90% destes caminhões são da prefeitura. Foi questionado por um dos moradores, o grande volume de caminhões, que aumenta muito o fluxo de veículos na avenida, bem como a poeira e o risco de deslizamento destes resíduos sobre as casas autoconstruídas. E o engenheiro disse que quanto à o fluxo de caminhões eles estão fazendo uma área de estacionamento para caminhões com capacidade para 1.100 veículos minimizando os congestionamentos; para mimizar o problema da poeira eles fazem diariamente uma lavagem da avenida e dos pneus dos caminhões, e quanto ao risco de deslizamento este é inexistente segundo o técnico, já que os taludes são avaliados por uma equipe de topógrafos mensalmente.
Nas entrevistas com moradores de áreas lindeiras ao aterro, percebemos que essas medidas não são eficazes como apresentado pelo engenheiro. A poeira é muito grande, e não vem só com os pneus sujos dos caminhões, a cada despejo de caçamba nos taludes do aterro uma grande nuvem de poeira sobe e segue em direção das casas.
Visitamos algumas casas, e percebemos o problema do excesso de poeira. Moradores relataram que as janelas e portas tem que ficar fechadas e com panos nas frestas, e mesmo assim é grande o número de pessoas com problemas respiratórios. Vera, que mora na região ao lado do aterro há mais de 20 anos reclama dos problemas de saúde de sua filha de 40 dias, decorrentes do excesso de poeira, e resume o problema dizendo: “achava que não ia melhorar o lugar onde moro, mas também não ia piorar”.
Também foram relatados pelos moradores um grande número de escorpiões nas casas e ratos. Isto porque segundo eles, não é só lançado no aterro resíduos inertes. Eles acompanham o lançamento diário de lixo hospitalar, restos de cemitério, e lixo orgânico.
Mas a injustiça ambiental atribuída a este uso, não se resume a estas questões. O “garimpo” realizado no aterro também preocupa muitos moradores. São relatados outros problemas de saúde pública, como casos de doenças de pele na população que garimpa, morte por soterramento, além das denúncias por cobrança de “pedágio”, pelos vigilantes do aterro para os moradores que fazem o garimpo. De acordo com o Eng. Cleiber hoje não é mais cobrado pedágio, mas ainda há uma conivência por parte da Empresa Essencis com o garimpo que é uma atividade ilegal. Eles autorizam a atividade do garimpo desde que seja a partir das 18:00hs. Segundo moradores, é possível ver durante à noite, várias lanternas de garimpeiros.
“Quando meu sobrinho morreu ele tinha 18 anos e fazia garimpo no aterro. Ele estava embriagado. Procuraram o corpo por três meses e pararam. Só voltaram a procurar o corpo dele quando chamamos a televisão. Nesta época cerca de 1000 pessoas trabalhavam durante a noite no aterro.” Wilson, morador
Essa dinâmica ilegal, movimenta o mercado local além de gerar trabalho informal. Ao lado do aterro foram abertos pontos de ferro velho para comprar o material. Hoje muitas famílias vivem ainda do garimpo, chegam a ganhar R$70,00 por dia. Como é o caso de Jeferson, morador da comunidade Cidade Alta e que não vê o aterro como um problema e sim como uma fonte de trabalho. Sua casa que tem 2,5 de largura, foi construída junto ao muro do aterro em uma calçada, e possui uma passagem clandestina que dá acesso ao aterro.
Em discussão com os moradores que participam da pesquisa, concluímos que diversas as formas de relação estabelecidas pelos moradores e esse uso. Existem os moradores de favelas junto ao aterro e que não concordam com este tipo de uso junto às residências; os que moram nas mesmas favelas e que tem o aterro como fonte de renda mesmo sabendo dos riscos; e os que não questionam este uso ou mesmo o impacto dele no cotidiano dos moradores.
Deste último grupo ainda não falamos, mas para o os pesquisadores/moradores é o que mais preocupa por ser a maioria. São moradores que quando questionados sobre o aterro falam de promessas políticas feitas por candidatos, da garantia de que nesta área será construído um “conjunto habitacional”, ou mesmo uma “escola”. Não possuem um olhar crítico sobre a situação, o que enfraquece o esforço de mobilização contra o aterro (ver CD anexo com vídeo de depoimentos dos moradores).
É preciso dizer que a falta de mobilização desta população também tem outro motivo. De acordo com o Eng. Cleiber, responsável pelas atividades do aterro desde janeiro de 2010, a Empresa Essencis mantem a “cordialidade” com muitos moradores através de “contribuições” que são feitas para instituições religiosas locais e que tem história na trajetória de luta da população. Eles contribuem com materiais de construção, alimentação e higiene, e pedem em troca segundo o engenheiro, que eles divulguem para população o quanto a empresa é importante para a região, que ela não traz malefícios e sim contribui para a geração de emprego nas comunidades. Essa declaração foi um importante diagnóstico para o grupo sobre a falta de mobilização e questionamento de entidades que estão localizadas ao lado do aterro.
NOVAS ETAPAS DA PESQUISA:
Para a continuidade da pesquisa, estaremos avaliando o Processo de prorrogação do aterro disponibilizado pela CETESB-Santana.
Levantar junto às unidades de saúde, quais as principais doenças na região, e espacializar estes dados confrontando com as denúncias referentes a questões de saúde denunciadas pela população.
Intercâmbio: Visita à outras comunidades que estão localizadas junto à aterros. Entramos em contato com moradores da comunidade Espírito Santo em Santo André e Conjunto Barão de Mauá na cidade de Mauá, na qual diversas casas e prédios foram implantados sobre antigos aterros de lixo orgânico e industrial. O objetivo é trocar experiências acerca destas problemáticas. A visita esta marcada para março de 2011.
AÇÃO
Foram sugeridas pelo grupo algumas possibilidades de ação:
Realização de um seminário sobre este problema ambiental na região.
Abaixo assinado contra o funcionamento do aterro (está em andamento) e dar entrada em uma ação pública para denunciar as irregularidades do aterro