ARQUITETURA NA FAVELA - ARQUITETURA DA FAVELA

Neste Blog é apresentado o Diário de Campo da pesquisa de doutorado denominada - Chão desenvolvida no período de 2008 a 2012 no curso de Pós Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Esta pesquisa teve como principal ação a produção colaborativa do conhecimento entre universidade (FAUUSP) e população (Comunidades do distrito de Brasilândia). Para isso foram criadas celulas de pesquisa em locais estratégicos para o desenvolvimento destes estudos na região. Os resultados desta pesquisa estão disponíveis em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16135/tde-30082012-092124/pt-br.php , bem como no site http://espiral.net.br/brasilandia/index.html .

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O RODOANEL NA BRASILÂNDIA ... Janeiro 2011

O Rodoanel Mário Covas (SP-021) é uma rodovia classe 0 de contorno da Região Metropolitana de São Paulo, destinada a interligar as rodovias de acesso a RMSP. A polêmica obra que vem sendo implantada por trechos, agora pode ser concluída a partir da aprovação do traçado do Trecho Norte.

Este projeto foi alvo dos ambientalistas em 1999 por gerar grandes impactos em áreas de preservação ambiental. Na época mesmo sendo idealizado por meio de túneis e viadutos o projeto levaria perigo aos reservatórios que abastecem parcialmente a capital paulista. Este trecho que foi o primeiro a ser estudado e pode ser o último a ser implantado, voltou a ser discutido em 2009, quando a DERSA anunciou que o traçado do Trecho Norte do Rodoanel não passaria por dentro da Serra da Cantareira e sim à beira da Reserva Florestal, mais próximo da área urbana.

A empresa responsável pelo Estudo de Impacto Ambiental JGP Consultoria Ambiental, avaliou a possibilidade de implantação do trecho a partir de três traçados: um ao Norte da Serra da Cantareira, um na área central da Serra e outro ao Sul.

O traçado recomendado foi ao Sul da Cantareira por ser considerado de menor impacto ambiental, com menor movimentação de terra e área desmatada. O mesmo terá 42,8 Km de extensão, sobre uma área que também é frágil, já que se trata de uma zona de transição, entre áreas urbanas e áreas de importância ambiental. Regiões que já sofrem com a expansão urbana.

O traçado recomendado percorre o território de três municípios: São Paulo, Guarulhos e Arujá, sendo necessário para sua implantação a remoção de cerca de 2.800 edificações, sendo estas caracterizadas por moradias irregulares, regulares, comércios e equipamentos (RIMA, 2010).

Agora o projeto está em fase e obtenção das licenças ambientais. A obra que custará cerca de R$5 bilhões, deve ter início em 2011 com previsão para conclusão em 2014, e terá grande impacto ambiental e social principalmente no distrito de Brasilândia. Isto porque, este novo traçado terá uma ligação entre o Rodoanel e a Marginal Tietê que passará pelo Distrito de Brasilândia, pela Av. Inajar de Souza. Além disso, seu traçado corta alguns loteamentos clandestinos e em processo de regularização, favelas da região, loteamentos regulares, além das poucas áreas verdes que resistem a essas ocupações.

Com base no EIA, os bairros que sofrerão impacto no distrito de Brasilândia são: Jardim Damasceno-Chiqueirão, Jardim Paraná, Vila Nova Esperança, Piscinão Bananal e Vila Dionísia. O distrito de Brasilândia terá o maior número de remoções deste trecho da obra. A estimativa de remoções de moradias irregulares é de 542 e moradias regulares 40; comércios 63, equipamentos 3, e edificações de uso Rural 11, um total de 657 edificações. Esse número ainda pode aumentar para 836 remoções já que 179 moradias estão localizadas sobre o futuro Tunel 2 do Rodoanel no Jardim Paraná. Estas moradias terão suas remoções confirmadas somente com o detalhamento do projeto de engenharia.

É preciso reforçar que além deste impacto direto, O Rodoanel nos trechos já implantados (Sul e Oeste ) teve papel catalisador de processos de expulsão de população de baixa renda para áreas mais distantes e sem infraestrutura com a valorização imobiliária da região, ou seja, o impacto não é somente sobre as edificações atingidas.

Esses impactos referentes ao meio antrópico são apresentados no EIA
[1] a partir de três escalas de análise: Área de Influência Indireta(AII), na Área de Influência Direta(AID) e Área Diretamente Afetada(ADA).

A macro escala AII, a análise apresentada se ateve as questões estruturais de formação do tecido da metrópole. Foi dado ênfase a problemática de expansão urbana irregular e seus impactos sobre áreas de fragilidade ambiental. Apresenta-se de forma breve os riscos da expansão urbana, para a fronteira sul da Serra da Cantareira em toda sua extensão por meio de eixos de penetração de favelas e loteamentos irregulares. que colocam sobre ameaça o território protegido. Nessas análises foram considerados estudos de expansão desordenada no período de 1991 à 2000. Como potencialidades, foram apresentadas regiões com transporte coletivo adequado. Sendo apresentados exemplos de qualidade ambiental diretamente relacionada a ampliação das opções de transporte coletivo de alta capacidade como metrô, trens e corredores de ônibus, de forma a evitar a geração de viagens por automóveis e reduzir os riscos de poluição do ar. Foram apontadas necessidades de ampliação das áreas verdes e da vegetação intra-urbana de forma a reduzir o agravamento climático, buscando segundo o estudo “’um modelo de urbanização planejado e sustentável”.

Nesta escala foram apontadas também diretrizes de urbanização sustentável, como a criação/potencialização de centros regionais que auxiliem o equilíbrio entre atividades residenciais e não residenciais visando reduzir os deslocamentos casa-trabalho e os gastos com viagens a grandes distâncias no interior da metrópole; a otimização e aproveitamento de áreas urbanas subutilizadas, que são dotadas de boa infraestrutura e apresentam melhores condições físicas para a urbanização; ampliação do atendimento a demanda por Habitação de Interesse Social (HIS) e Habitações de Mercado Popular (HMP) de forma a substituir e reurbanizar gradualmente as favelas e moradias precárias como forma de controlar o espraiamento urbano.

COMENTÁRIOS ACERCA DESTA ESCALA: Acredito que os estudos feitos na macro escala induzem diretamente a um diagnóstico equivocado da escolha do traçado e da importância do projeto, ao dar ênfase como problema à ser solucionado a questão da expansão urbana desordenada, e como áreas de qualidade ambiental regiões com infra-estrutura viária e de transporte. Neste contexto, o projeto é apresentado como “elemento de contenção do espraiamento irregular urbano” de grande potencial por estar também associado a uma política habitacional com CDHU e COHAB. Além disso, nos estudos de evolução urbana. são abordadas somente questões estruturais, o fenômeno especifico sobre a Serra da Cantareira é colocado de maneira superficial. Não são apresentados por exemplo os impactos de intervenções públicas na última década na região, ou mesmo quais são os principais agentes indutores do crescimento desordenado. Apresentam a expansão urbana irregular como ausência do poder público não também como fruto de sua presença, um problema de análise que mostra o desconhecimento da realidade.



Na escala intermediária da AID, as análises pautaram-se por estudos de zoneamento, potencial de adensamento e verticalização. Foi apresentado o estoque de terras junto à áreas de impacto do projeto, bem como o potencial de transformação urbana destas áreas. As ocupações irregulares, foram apresentadas como áreas potenciais, inclusive para serem ocupadas por industrias por estarem próximas ao Rodoanel. Recebe novamente destaque os projetos de transporte coletivo para a região como propostas que referem-se ao melhoramento do sistema de terminais e corredores de ônibus. Nesta escala é apresentada de forma muito breve os tipos de ocupações no interior da AID e o perfil sócio-demográfico da AID. além de uma breve também caracterização da Rede Viária Geral ao sul da Cantareira.

COMENTÁRIOS ACERCA DESTA ESCALA: Nesta escala intermediária AID, faltam estudos de expansão urbana, com dados de densidade demográfica que apresentariam questões mais particulares da paisagem. São apresentados dados demográficos de forma isolada, sendo poucas as analises relacionadas entre subprefeituras e municípios. A Subprefeitura de Pirituba, por exemplo, teve o maior crescimento populacional segundo Contagem Populacional 2008 IBGE principalmente no distrito de Jaraguá e não são citadas essas informações que poderiam indicar problemas na criação de mais um vetor de adensamento. Não foram feitas também projeções estatísticas do crescimento populacional nas regiões atingidas, mesmo apontando este impacto no Volume VI. Quanto aos assentamentos subnormais, estes são apresentados novamente como “área de potencial de adensamento”, para uso industrial. Porém, por não estarem na área diretamente afetada, essas remoções indiretas não são quantificadas, ou seja, não existem programas previstos para atender esta população.

Além de repetir a falha da análise feita na escala anterior de não identificar os processos e agentes que deram origem à essas ocupações irregulares, voltam a dar ênfase à estudos de zoneamento e identificação de áreas com potencialidade para ser de estoque de terras. Acaba neste contexto, direcionando o diagnóstico quanto à necessidade de grandes transformações urbanas, no qual o Rodoanel será o grande elemento indutor destas potenciais transformações.

Acredito que mesmo com falhas, este diagnóstico antrópico aponta o risco de se implantar o traçado ao Sul da Cantareira, já que nestas áreas estão localizadas grandes vetores de expansão urbana. Além disso o número total de população afetada é muito menor no traçado ao Norte. Porém, não é o traçado indicado para ser implantado, principalmente porque não é associado o impacto social ao ambiental, um erro já que o processo de valorização imobiliária decorrente da implantação da obra, poderá induzir como em outros trechos a expansão irregular sobre a região envoltória da implantação, aqui a Serra da Cantareira. Principalmente, por não serem previstos instrumentos urbanos para controle do uso do solo urbano nas regiões atingidas. No Distrito de Brasilândia por exemplo, as Avenidas Dep. Cantídio Sampaio e Ibiaiaras, terão que ser duplicadas, já que seriam os principais acessos até a Av. Inajar de Souza. Hoje estas avenidas já sofrem com a saturação de veículos. A tipologia habitacional destes eixos viários é de casas autoconstruídas localizadas em favelas e loteamentos irregulares.

A micro escala, a ADA, são apresentadas as características de uso e ocupação do solo e suas interferências em redes de infraestrutura. Destaca-se, que a área diretamente afetada irá atingir cerca de 14,7 hectares de ocupações subnormais, o que irá demandar trabalhos sociais de apoio à realocação de população em situação de alta vulnerabilidade, aproximadamente um total de 1300 remoções irregulares.

COMENTÁRIOS ACERCA DESTA ESCALA: Nesta escala, faltam estudos dos processos locais de expansão urbana, estudos essenciais para a definição do traçado. Áreas consideradas irregulares hoje, estão em processo de regularização, e altamente adensadas diferente do diagnóstico apresentado no EIA. Assim o número de famílias removidas considerando os aspectos de coabitação podem ser muito maiores do que os previstos.



0s principais impactos sobre o meio antrópico apresentados no EIA são:

• Interrupção temporária de tráfego

• Aumento na circulação de veículos pesados na malha viária local durante a Construção

• Impactos nos níveis de carregamento do sistema viário da RMSP

• Alterações nos volumes de tráfego dos demais trechos do Rodoanel

• Melhoria da acessibilidade entre rodovias radiais da RMSP

• Benefícios socioeconômicos devidos à redução dos tempos de viagem

• Alterações no padrão de segurança do tráfego intraurbano e redução de acidentes

• Melhoria no grau de confiabilidade dos usuários no sistema viário metropolitano

• Redução dos custos de manutenção da malha viária intraurbana da RMSP

• Favorecimento da intermodalidade no transporte de cargas

• Interferências com fluxos transversais de pedestres

• Interferências com fluxos transversais de pedestres

• Redução das Emissões de Gases de Efeito Estufa

• Alterações urbanísticas na AII

• Alterações urbanísticas na AID

• Alterações dos valores imobiliários

• Aumento do grau de atratividade para usos residenciais

• Aumento do grau de atratividade para atividades econômicas

• Melhoria no padrão de acessibilidade às atividades econômicas

• Geração de empregos diretos e indiretos

• Desativação de atividades econômicas localizadas na ADA

• Descentralização da oferta de emprego

• Interferências com redes de utilidades públicas

• Aumento dos níveis de ruído próximo a equipamentos institucionais sensíveis

• Relocação de equipamentos sociais

• Alterações nos valores imobiliários

• Melhoria no padrão de acesso ao Aeroporto Internacional de São Paulo

• Alteração do padrão de acesso a equipamentos públicos durante a construção

• Incômodos à população lindeira na construção

• Interrupções de tráfego local durante a construção

• Interrupções de serviços públicos durante a construção

• Desapropriação e Relocação de Moradias

• Mobilização social durante as etapas de planejamento e implantação

• Alterações localizadas nas relações sociais entre comunidades de áreas urbanas

• Alterações na paisagem

• Aumento nas receitas fiscais durante a construção

• Impactos nas Receitas Fiscais durante a Operação

• Impactos nos níveis de investimento privado

• Aumento das demandas por infraestrutura física e social durante a construção

• Interferências com o patrimônio arqueológico e cultural

Com base nestes impactos relacionados acima, são apresentadas no EIA medidas mitigadoras. Destaco o impacto quanto à remoção de moradias para implantação do projeto, por acreditar que estas remoções podem, se não bem atendidas por programas habitacionais, serem de grande impacto em outras regiões ainda não ocupadas na Serra da Cantareira.

No EIA foram apresentadas como medidas preventivas deste impacto: na fase pré-construtiva um Programa de Comunicação Social Prévia; na Fase de construção: o Programa de Desapropriações e Indenizações, o Programa de Compensação Social e Reassentamento Involuntário, e o Programa de Comunicação Social. Sendo previsto para o Programa de Desapropriações e Indenizações um montante de R$11.000.000,00 e para o Programa de Compensação Social e Reassentamento Involuntário R$194.000.000,00.

De acordo com o EIA, esses programas visam garantir a reposição das moradias de origem, substituindo-as por unidades equivalentes ou melhores. Para atingir essa meta será necessário elaborar um Cadastro Social, além de ações conjuntas com as Prefeituras, CDHU e COHAB, garantindo a compatibilização dos cronogramas de obra e de conclusão dos trabalhos de reassentamento, com a consequente liberação da faixa de domínio.

O problema é que de acordo com a Defensoria Pública de São Paulo, que atua em alguns processos contra a DERSA movidos por moradores atingidos pela obra em outros trechos, é que não há um cronograma para provisão de unidades habitacionais, bem como, não é apresentado os locais de reassentamento desta população.

Em outros trechos da obra, isso foi um problema já que os moradores foram atendidos pelo Programa Aluguel Social para aguardar a conclusão das unidades habitacionais, porém, após trinta meses(período de atendimento do programa), as unidades habitacionais não haviam sido concluídas.

Além disso a Defensoria apontou outras situações de conflito que permeiam a implantação da obra. Uma delas é um “terrorismo” feito por técnicos da DERSA que passam pelos lugares de implantação da futura obra para fazer sondagens nos terrenos, e que começam a falar para população para venderem logo suas casas, pois serão removidos de qualquer forma. Isso, provoca um caos nas comunidades, que não conseguem se mobilizar para uma ação conjunta.

De acordo com representantes da União do Movimento de Moradia de São Paulo, que atua nessas comunidades, a partir dessa situação fica difícil organizar a população para reivindicar seus direitos em relação à moradia. Por um lado alguns moradores com medo, aceitam qualquer indenização proposta pela DERSA, enquanto outros resistem à qualquer tipo de negociação. Porém, estes que resistem se vêem obrigados a sair de suas casas, pois acabam ficando isolados após a demolição das casas em que os proprietários fizeram acordos e foram indenizados.

Além disso, um outro fator desmobilizador nas comunidades, de acordo com a União do Movimento de Moradia de São Paulo, é que não existe critério
[2] para o pagamento das indenizações, ou seja, alguns moradores ganham mais e outros menos, criando diversos conflitos dentro das comunidades.

A seguir, imagens com as remoções previstas para implantação do Trecho Norte do Rodoanel, em comunidades do distrito de Brasilândia.
[1] Análise feita a partir do estudos dos volumes III Diagnóstico Ambiental da Área de Influência Indireta (AII) – Meio Antrópico V -Caracterização da Área de Influência Direta (AID) e Área Diretamente Afetada – Meio Antrópico, VI Identificação de Impactos – Meio Antrópico, VII Avaliação de Impactos Resultantes nos Componentes do Meio Antrópico e Proposição de Medidas Preventivas, Mitigadoras ou Compensatórias e Estruturação em Programas Ambientais[2] Mesmo na prática apresentando sem critério, a avaliação das moradias para indenização segundo a DERSA é feito por uma empresa que possui critérios para essa análise.

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